Matthias Jabs. Foto: Roberta Forster |
"Nós temos que tocar e gostamos de tocar os hits," responde o guitarrista do Scorpions, Matthias Jabs, quando perguntado o que esperar do primeiro show da banda em 2019 na primeira edição do festival Rock The Coast em Málaga, Espanha na metade do ano.
Sua banda simplesmente não poderia deixar o palco sem que os fãs ouvissem hits como Rock You Like A Hurricane, Still Loving You e Blackout, ele justifica. Aí está o um dos maiores desafios do grupo alemão: destilar sua prolífica carreira de 54 anos em duas apertadas horas de puro rock and roll...
"As favoritas compõem metade do setlist" ele continua, "Na nossa última turnê, nós editamos um medley dos anos 70 e, atualmente, estamos vendo a possibilidade de um medley dos anos 80. Os fãs querem ouvir as músicas de todas as épocas, e o show só tem duas horas, então tentamos combinar o máximo possível."
"Será nossa primeira performance desde Novembro em Shanghai. Estamos dando um tempo para compor desde então. É a pausa dos palcos mais longas que tivemos nos últimos tempos, talvez em toda a nossa carreira. Sempre ficamos animados com o primeiro show. Não estaremos enferrujados, não se preocupem!"
Como atração principal da outra noite está Ritchie Blackmore e seu Rainbow rapaginado, com o apoio estelar de bandas reverenciadas, como Opeth, The Darkness, Europe e UFO.
Acontece que o deus da guitarra do Deep Purple, um dos personagens mais elusivos das páginas da história do rock, é alguém que Jabs conhece bem desde o início dos anos 80...
"Passei muito tempo com o Ritchie quando ele estava no Rainbow," relembra o guitarrista do Scorpions. "Fizemos uma turnê juntos em 1982 e até jogamos futebol juntos. Infelizmente, nós ganhamos e o Ritchie ficou muito decepcionado com isso. Nós ficávamos sentados por horas no famoso Rainbow Bar & Grill em Los Angeles. Eu me lembro de falar para ele que seria uma ótima ideia o Deep Purple se reunir e, não sei se eles já tinham planejado isso, no ano seguinte isso aconteceu no Texxas jam."
Aqui o mago e guitarrista alemão relembra sua carreira com a guitarra até os dias atuais...
MUSICRADAR.COM: Antes de você entrar para os Scorpions, você comprou uma Gibson Explorer 1976 novinha em folha e que seria escutada em muitos os clássicos mais antigos da banda...
MATTHIAS JABS: Dei muita sorte com aquela compra, assim por dizer! Eu precisava de algo à altura da Flying V do [guitarrista fundador] Rudolf Schenker. Havia duas opções quando eu comprei a guitarra. Eu escolhi a melhor, é claro, porque o som era muito bom.
E como você disse, ela foi usada em todas aquelas músicas famosas até a metade dos anos 80, quando eu troquei para a Explorer 90, que eu mesmo desenhei em uma feira de música em Frankfurt quando conheci os caras da Gibson. Os álbuns seguintes foram feitos com essas Explorers, apesar de eu sempre ter usado uma Strat, Tele ou Les Paul para mais sons.
MR: Quando foi a última vez que você usou a original de 1976?
MJ: Faz um tempo que não toco essa Explorer original ao vivo... ela está guardada. Ela ficou no Rock and Roll Hall of Fame em Cleveland, assegurada em meio milhão. Ela ficou lá por um ano, e então quando regravamos músicas antigas para o Comeblack em 2011, eu a pedi de volta. Eles a mandaram para o estúdio para que eu conseguisse os sons autênticos.
MR: Na virada dos anos 80 você iconicamente colou as fitas adesivas em uma das guitarras.
MJ: Em 1979 eu mesmo pintei aquela primeira Explorer com tinta spray de uma loja de produtos para artesanato. Então em Minneapolis, eu vi a Explorer 1977 em branco, que eu comprei e usei como guitarra secundária. Foi nesse momento que pensei em colar a fita em uma delas, onde ficam os potenciômetros. Foi uma decisão espontânea e todos adoraram, até o nosso engenheiro de iluminação que me disse que dava para ver de longe. Mais tarde ela seria pintada na fábrica da Gibson e está lá desde então.
MR: Em 1984, você ganhou um dos primeiros itens feitos pela loja de instrumentos sob medida da Gibson em Nashville.
MJ: Isso também é verdade. Infelizmente, eu a vendi para um amigo. Era uma Firebird com dois humbuckers, marcadores de estrela, e foi uma das primeiras guitarras feitas em Nashville, depois que eles mudaram a loja de instrumentos sob medida de Kalamazoo em 1983. Não pensei que você soubese disso! (risos) É uma surpresa, mas você está certo… foi no início de 1984, quando eles começaram.
MR: E então você começou a tocar guitarras feitas por Boris Dommenget, fabricadas com captadores Musclebucker.
MJ: Sim, você disse Musclebucker e, honestamente, eu nunca ouvi um captador com tanta saída e tanta clareza. Nós tocávamos com o gain relativamente alto e, mesmo assim, você conseguia ouvir cada corda de cada acorde sem que ficasse com um som ruim. Você escuta todas as harmonias individuais, aqueles captadores são ótimos!
As guitarras do Boris são feitas com muito cuidado. Ele usa a melhor madeira, com um estoque de mogno que é bem antigo (do final dos anos 50), e além disso ele usa tinta nitro, que é a chave para aquele som. É o tipo de celulose que adere bem à madeira, as vibrações ficam mais ilimitadas, ao contrário da tinta poliéster que dá a sensação de uma roupa de mergulho! Você fica desconfortável. A nitro é como um pijama de seda!
MR: Sem esquecer, é claro, que você usou aqueles belíssimos modelos da Anca. Você realmente usou uma boa variedade de instrumentos ao longo dos anos.
MJ: Elas são muito bem feitas graficamente. Porém elas não são tão boas, mas elas são lindas. Como sou um grande fã do Hendrix, eu comecei com uma Strat, mas eu sempre gostei do som da Les Pauls. A Explorer foi a que eu sentia ser a melhor para mim, pelo formato e pelo som. Eu faço a maioria dos overdubs nas nossas músicas e não dá pra ter sempre só um som.
Então eu tenho ótimas Strats, Teles, e até Les pauls com P-90s de 1955, que pode soar forte! Nos álbuns mais recentes, eu gravei o lado esquerdo com a de 58 e o direito com a de 59, que tem um Bigsby, mas depende da música.
MR: Você tem usado bastante os Marshall e os Soldano. O que você procura em um amplificador?
MJ: Procuro clareza e vibração do cone, eles tem que ter essa reação. Quando você usa muito gain, a percussividade some. Quero que a minha guitarra tenha um ataque e que seja exato. Não quero que o som se desenvolva por milésimos de segundos. Tem que ser mais urgente, então estou usando menos gain do que já usei.
Agora estou usando um amplificador Skrydstrup com ótimo som, feito por um dinamarquês que o faz sob medida para todos nós. Ele trabalha para o David Gilmour também, e também faz micro amplificadores para vocalistas e outras coisas. Eu sempre usei os Tonemasters da Fender quando em estúdio, e Marshall, e tenho os meus Soldanos antigos para quando precisar.
Os Tonemasters são altos demais para o palco. No estúdio não tem importância. Acho que eles tem 140 watts, mas parece 300... um monstro! A clareza e sustentação sem gain é tudo que você precisa. Eles são difíceis de achar por sinal, eles pararam de ser fabricados na metade dos anos 90, mas eu tenho dois.
MR: Quem foram suas maiores influências quando jovem?
MJ: Eu aprendi com todos os caras do blues dos anos 60: Johnny Winter, Jimmy hendrix, Eric Clapton e Jeff beck, mas eu também sou autodidata. Eu costumava ouvir concertos de violino e pegava a coleção de discos do meu pai, peças como Violin Concert in E minor, Op. 64 do Felix Mendelssohn.
A maioria das músicas clássicas não pareciam adequadas mas essa, sim. Eu aprendi os arpejos como se fosse um violino tocando, o que me influenciou muito. Então, eu tenho influências de música clássica e do blues.
Nos anos 70, eu gostava de muito jazz-rock, como Allan Holdsworth, John McLaughlin, Al Di Meola. Era uma coisa muito louca que não tem como incorporar no Scorpions, com o nosso toque quase pop.
MR: Esses toques pop podem muito bem ser o segredo do sucesso duradouro do Scorpions.
MJ: Nós tocamos um rock bem melódico, quando você escuta músicas como No One Like You, você pode ouvir como isso vem da melodia da guitarra. Nos EUA, eles usavam isso para promover os show, antes mesmo de chegar nos vocais, porque todos reconheciam. Todos as guitarras solos e as bases devem formar uma melodia, a essência da música.
Eu penso nos instrumentais da música para o meu solo, não quero que seja um preenchimento, o que infelizmente acaba acontecendo às vezes. (risos) Os seus solos não precisam ser fáceis de tocar, mas precisam ser fáceis de escutar.
Algumas músicas são boas pros dedos mas não significam nada depois... é importante lembrar que até as coisas mais rápidas precisam ter melodias. Guitarras solos fazem a música continuar e, se possível, levantar o astral um pouco. Nem sempre funciona, mas às vezes sim.
MR: Rock You Like A Hurricane é definitivamente o solo que levanta o astral. Como você compôs esse solo?
MJ: É exatamente isso que eu quero dizer. Em casa, com o meu gravador Tascam de quatro canais, eu trabalhei na introdução e finalização, incluindo as harmonias. Eu fui para o estúdio, Dierks Studios, em Colônia, e comecei a tocar. Quando eu terminei, todos tinham adorado. O produtor disse que era como o sol nascendo.
Para compor um solo como esse, pense no riff sozinho. Imagine um espaço vazio. Eu sempre começo do nada e termino com harmonias. Naquela época, era como se todos estivessem procurando novos jeitos de tocar guitarra solo. Hoje, não é tão fácil. Tudo já foi feito, até mesmo para mim, é muito mais difícil achar algo realmente animador.
MR: O Brian May, por exemplo, sempre seguiu uma filosofia criativa similar, sempre procurando novos jeitos de formar e orquestrar seus solos.
MJ: Gosto de guitarristas com estilo e bom gosto, esse sempre foi o meu objetivo ao tocar. Sempre adorei o jeito e o tom do Brian May ao tocar. Nós sentamos juntos no primeiro Echo Awards, logo depois que o Freddie morreu. Ele veio até a nossa mesa e nós dois comentamos como achamos gostoso o jeito que o outro toca.
Foi incrível, nós continuamos conversando em um bar e ele me contou como ficou nervoso quando o Freddie chegou com a música We Are the Champions. Ele disse na época, "Freddie, não podemos seguir com isso, as pessoas vão nos apedrejar!" Ele era meio tímido na banda, mas juntos eles eram incríveis. Foi muito legal para um primeiro encontro.
MR: Finalmente, como o novo material está ficando e quando poderemos escutar?
MJ: Tenho certeza que logo. Nós começamos a falar com o produtor que gostaríamos que trabalhasse conosco no final do ano passado. Nós íamos encontrar com ele agora, mas ficaria muito corrido, então adiamos. Estamos ocupados até o final de novembro, indo da Europa até a América do Sul, e daí para a Rússia e outros países. Então, o plano é gravar nosso próximo disco no início de 2020.
Tradução: Patrícia Camara
Revisão: Roberta Forster